- Nesses dias em que esperamos apreensivos as repercussões a respeito do Novo Código Florestal a jornalista Miriam Leitão faz uma análise dos acontecimentos desta Terça-Feira de Luto para o Brasil e consequentemente para o mundo, comparando o modelo atual ao escravagista, vale a pena ler!
Foi também o dia da morte de um lutador contra o racismo. Era uma delícia conversar com Abdias Nascimento, ouvir suas histórias, e ver que, tendo nascido em 1914, em 2011 ele ainda combatia as lutas que atravessaram sua vida. Sua convicção era que o racismo brasileiro divide a sociedade de uma forma dolorosa para quem vive o preconceito; mas continua invisível e negada por uma parte do país. Abdias foi um agitador cultural e produtor de ideias. Começou a defender teses de ação afirmativa antes que o conceito existisse, nos anos 1940. Nas várias trincheiras em que atuou — teatro, cinema, jornalismo, artes plásticas, política — era o mesmo Abdias: o que sustentava que sim o racismo existe entre nós, disfarçado às vezes, explícito outras, e que com todas as suas artimanhas ele apequena o Brasil.
As notícias dos acontecimentos no Congresso me lembraram os clubes da lavoura dos tempos do Império. Naquela ordem escravagista, o abolicionismo era tratado como ideia que destruiria a capacidade produtiva do país. Montados como centrais de lobby para a defesa da escravidão, os clubes da lavoura sustentavam que o país se consumiria sem a escravidão. De vez em quando o Brasil segue a ordem de evitar o progresso. Contudo, a Terra se move. Por seis anos os abolicionistas, monarquistas ou republicanos, lutaram, com o apoio do Imperador, até que conseguiram aprovar a Lei do Ventre Livre.
Fazendo apenas o cálculo econômico: foi uma insensatez a escolha que o Brasil começou a fazer na noite da terça-feira. O Brasil é grande e competitivo produtor de alimentos. Continuaria a ser, com mais segurança, se tivesse escolhido o caminho da conciliação com o meio ambiente. Mas ele escolheu, até agora, aceitar o desmatamento, anular as multas a grileiros e desmatadores, deixar aos estados decisões sobre áreas de preservação, reduzir a proteção das florestas e remanescentes de matas que ainda temos em outros biomas. Os cientistas alertaram que este caminho é perigoso. A Agência de Águas avisou dos riscos. Ex-ministros que serviram a partidos, governos e regimes diferentes se uniram. Mas o recado da Câmara foi eloquente: venceu o clube de lavoura.
Há produtores com visão moderna, mas para eles o silêncio foi conveniente. Apareceram para falar uns poucos, como o bravo Marcos Palmeira, que refaz seu pedaço de Mata Atlântica e supre supermercados do Rio com alimento orgânico enquanto espalha informações sobre novas práticas. Mas os grandes produtores que entendem a necessidade do equilíbrio entre produção e proteção, preferiam soltar a tropa de choque do pior ruralismo. A oposição não se opôs; o partido do governo se partiu.
Símbolo de um dia em que o passado engoliu o futuro foi o momento em que os ruralistas, em plenário, e sua claque, nas galerias, vaiaram vítimas de um assassinato. José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo foram mortos em emboscada no Pará. Um detalhe macrabro: os assassinos arrancaram a orelha de José Cláudio. Os dois eram líderes de projetos extrativistas. Lutavam, entre outras causas, para proteger a Castanheira, árvore que por lei não pode ser derrubada. Tinham 20 hectares em Nova Ipixuna com 80% da área preservada. Juntos com outros 500 pequenos produtores extraíam óleos vegetais, cupuaçu e açaí. Estavam ameaçados e foram mortos por denunciar desmatamento para a produção de carvão e formação de pasto.
O carvão está na cadeia produtiva da siderurgia, entre outras. Os pastos estão na produção da proteína animal. No mundo inteiro a tendência da hora é limpar a cadeia produtiva. Grandes empresas sabem que pelo mundo afora, dará ao consumidor o conforto de um produto limpo, e protegerá a vocação agrícola do país das mudanças climáticas. Os clubes da lavoura estavam errados no século XIX. Os ruralistas vitoriosos de terça-feira estão errados. Contudo, a Terra se move.
http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2011/05/26/a-terra-se-move-382721.asp
COLUNA NO GLOBO
A Terra se move
Terça foi um dia devastador. Foi desmoralizante a derrota dos ambientalistas e de todos os que defendem uma modernização das práticas agrícolas no Brasil na votação do Código Florestal na Câmara dos Deputados. Os ruralistas conseguiram tudo o que queriam. Dois defensores da floresta foram assassinados no Pará e, mesmo depois de mortos, vaiados no Congresso.Foi também o dia da morte de um lutador contra o racismo. Era uma delícia conversar com Abdias Nascimento, ouvir suas histórias, e ver que, tendo nascido em 1914, em 2011 ele ainda combatia as lutas que atravessaram sua vida. Sua convicção era que o racismo brasileiro divide a sociedade de uma forma dolorosa para quem vive o preconceito; mas continua invisível e negada por uma parte do país. Abdias foi um agitador cultural e produtor de ideias. Começou a defender teses de ação afirmativa antes que o conceito existisse, nos anos 1940. Nas várias trincheiras em que atuou — teatro, cinema, jornalismo, artes plásticas, política — era o mesmo Abdias: o que sustentava que sim o racismo existe entre nós, disfarçado às vezes, explícito outras, e que com todas as suas artimanhas ele apequena o Brasil.
As notícias dos acontecimentos no Congresso me lembraram os clubes da lavoura dos tempos do Império. Naquela ordem escravagista, o abolicionismo era tratado como ideia que destruiria a capacidade produtiva do país. Montados como centrais de lobby para a defesa da escravidão, os clubes da lavoura sustentavam que o país se consumiria sem a escravidão. De vez em quando o Brasil segue a ordem de evitar o progresso. Contudo, a Terra se move. Por seis anos os abolicionistas, monarquistas ou republicanos, lutaram, com o apoio do Imperador, até que conseguiram aprovar a Lei do Ventre Livre.
Fazendo apenas o cálculo econômico: foi uma insensatez a escolha que o Brasil começou a fazer na noite da terça-feira. O Brasil é grande e competitivo produtor de alimentos. Continuaria a ser, com mais segurança, se tivesse escolhido o caminho da conciliação com o meio ambiente. Mas ele escolheu, até agora, aceitar o desmatamento, anular as multas a grileiros e desmatadores, deixar aos estados decisões sobre áreas de preservação, reduzir a proteção das florestas e remanescentes de matas que ainda temos em outros biomas. Os cientistas alertaram que este caminho é perigoso. A Agência de Águas avisou dos riscos. Ex-ministros que serviram a partidos, governos e regimes diferentes se uniram. Mas o recado da Câmara foi eloquente: venceu o clube de lavoura.
Há produtores com visão moderna, mas para eles o silêncio foi conveniente. Apareceram para falar uns poucos, como o bravo Marcos Palmeira, que refaz seu pedaço de Mata Atlântica e supre supermercados do Rio com alimento orgânico enquanto espalha informações sobre novas práticas. Mas os grandes produtores que entendem a necessidade do equilíbrio entre produção e proteção, preferiam soltar a tropa de choque do pior ruralismo. A oposição não se opôs; o partido do governo se partiu.
Símbolo de um dia em que o passado engoliu o futuro foi o momento em que os ruralistas, em plenário, e sua claque, nas galerias, vaiaram vítimas de um assassinato. José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo foram mortos em emboscada no Pará. Um detalhe macrabro: os assassinos arrancaram a orelha de José Cláudio. Os dois eram líderes de projetos extrativistas. Lutavam, entre outras causas, para proteger a Castanheira, árvore que por lei não pode ser derrubada. Tinham 20 hectares em Nova Ipixuna com 80% da área preservada. Juntos com outros 500 pequenos produtores extraíam óleos vegetais, cupuaçu e açaí. Estavam ameaçados e foram mortos por denunciar desmatamento para a produção de carvão e formação de pasto.
O carvão está na cadeia produtiva da siderurgia, entre outras. Os pastos estão na produção da proteína animal. No mundo inteiro a tendência da hora é limpar a cadeia produtiva. Grandes empresas sabem que pelo mundo afora, dará ao consumidor o conforto de um produto limpo, e protegerá a vocação agrícola do país das mudanças climáticas. Os clubes da lavoura estavam errados no século XIX. Os ruralistas vitoriosos de terça-feira estão errados. Contudo, a Terra se move.
http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2011/05/26/a-terra-se-move-382721.asp





